domingo, 19 de junho de 2011

Dom e Ravel. A dupla que desagradou a direita e a esquerda.

“Na época da ditadura eles nunca pediam nada. Eles mandavam. O medo pairava porque nós ouvíamos os papos que sumiu fulano, desapareceu cicrano! Os artistas procuravam tomar precauções.”

(Ravel)

No início dos anos 70, a dupla Dom e Ravel provocou a ira dos opositores da ditadura militar instaurada no Brasil ao lançar o Hit “Eu Te Amo Meu Brasil” música que ficaria conhecida como um verdadeiro hino da ditadura militar. Eram tempos de chumbo, a seleção de futebol era tri-campeã mundial e o país crescia a olhos vistos. Era o chamado Milagre Econômico, fruto da facilidade de financiamentos externos. O PIB brasileiro crescia a uma taxa impressionante de quase 12% ao ano. Já naquele tempo, o Ministro Delfin Neto prometia dividir a renda, mas primeiro teria que deixar o “bolo crescer”, o que nunca aconteceu, para desespero dos truculentos generais de plantão... Os brasileiros não sabiam o que estava por vir.

Esta era a parte visível do início dos anos setenta. Contrastando com o otimismo do momento favorável da macroeconomia, práticas deploráveis aconteciam nas escuridões dos porões da ditadura: estudantes, jornalistas, políticos, líderes sindicais e outros representantes da sociedade, opositores do regime de exceção, eram barbaramente torturados e até mesmos assassinados. Não havia distinção entre aqueles que optaram pela luta armada e os que usavam a palavra como arma. Foi criado o slogan “Brasil, Ame-o ou Deixei-o!”, porém, diante do acirramento da repressão, muitos, mesmo sem deixar de amar o país, optaram pela segurança do exílio voluntário. O governo retrucou com outra frase: "Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil" o que dá uma noção do maniqueísmo oficial.

Todos sabemos os desdobramentos deste período negro da história: no rastro da crise do petróleo, decorrente dos conflitos do oriente médio, o país entrou em uma profunda recessão econômica, a liquidez acabou e os juros dos empréstimos subiram levando a dívida externa às alturas. A crise na qual foi jogado o país duraria décadas para ser sanada. Alguns anos depois veio a hiperinflação e os brasileiros passaram a ganhar milhões - apenas nos seus contracheques. Salários falsamente milionários que eram pulverizados em poucos dias devido à desvalorização da moeda. É verdade! Sofri isso na pele. Meu contracheque era apresentado na casa dos milhões, que mal davam para chegar ao fim do mês. 

No início dos anos setenta eu era garoto e custava a acreditar que aquele aparente inofensivo general risonho e simpático que gostava de futebol e assistia jogos do Grêmio de Porto Alegre seria protagonista do período considerado o mais violento da ditadura. Até o dia em que, num almoço na casa de um colega, testemunhei um fato que me marcou: o menino, provavelmente repetindo o que ouvira de um adulto, inocentemente chamou o presidente de “Garrafa Azul M...”. Nem eu nem o garoto tínhamos a menor noção de política, mas a reação da mãe dele para um comentário hoje tão inofensivo foi de pânico imediato. Com os olhos arregalados, a senhora o repreendeu e o admoestou a nunca falar aquilo em público. Percebi, naquele dia, o pavor que provocava uma ditadura.

Voltando a Dom e Ravel, nos tempos em que frases como “Ninguém Segura este país” eram comuns nas propagandas oficiais, a dupla foi duramente criticada por suas canções consideradas alienadas, para muitos, completamente alinhadas com a estratégia de propaganda do poder: vender a imagem de um país de jovens, portanto com um futuro promissor, “Um país que vai prá frente”, frase de outra peça publicitária do governo. O marketing oficial também queria passar a imagem de uma nação limpa e próxima do desenvolvimento. Quem tem mais de cinquenta anos, certamente se lembrará do simpático personagem Sujismundo, que servia de mote para o bordão “Povo limpo é povo desenvolvido”. Mas, para ter um povo desenvolvido era necessário reduzir o enorme índice de analfabetismo. Para tanto, foi criado o MOBRAL – Movimento Brasileiro pela Alfabetização e Dom e Ravel foram, novamente, associados ao poder com a música “Você também é responsável”, escolhida como tema do movimento pelo ex-ministro da Educação, General Jarbas Passarinho. Em entrevista ao site http://www.censuramusical.com Ravel negou que a canção tenha sido criada para tal e insistiu que nunca fez músicas encomendadas: “Há alguns comentários que a música 'Você também é responsável' foi feita para o MOBRAL, mas nunca fizemos músicas encomendadas pra ninguém, não! [...].

É fato, a canção, de forte apelo emocional, já havia sido gravada em 1969, portanto, não foi criada especificamente para o Mobral. Entretanto, transformou-se em uma espécie de hino do movimento, o que reforçou, para muitos, a percepção de alinhamento da dupla com o regime militar. Também é fato que a obra dos dois irmãos cearenses, intencionalmente ou não, se adequava à onda patriótica que pretendia impor os poderosos de coturno e, apesar do sucesso inicial, custaria caro aos dois cantores nascidos na pequena Itaiçaba, cidade do interior do Ceará. Veio o pior. Os cantores estigmatizados pela esquerda como “A Dupla da Ditadura”, curiosamente, caiu em desgraça com os militares e seus seguidores da direita ao lançar, em 1974, a música “Animais Irracionais” que falava das injustiças sociais – a obra foi censurada pelos militares - talvez já não fossem mais conveniente para o novo momento de pessimismo econômico que surgia. Sobre o assunto Ravel declarou: 

“Eu que já era perseguido pela esquerda que dizia que eu era engajado da direita, passei a ser perseguido pela direita também”. Ravel confessou que a música foi feita para pararem de chamá-los de “puxa-sacos” do governo. 

A dupla, aos poucos, caiu no ostracismo, mas nunca deixou a mente daqueles que viveram os momentos duros da ditadura. Até hoje, os dois são fonte de fortes discussões entre as duas correntes políticas. Eustáquio Gomes de Farias, o Dom, faleceu em dezembro de 2000, em decorrência de um câncer de estômago. Eduardo Gomes de Faria, o Ravel, faleceu na última quinta-feira, 16 de junho de 2011, aos 64 anos, de um ataque cardíaco. Morreu negando seu alinhamento com o poder. Ravel afirmava que suas músicas, na verdade, preenchiam uma lacuna de uma tendência mundial da época: a “música com uma temática construtiva”. Insistiu que foram usados pelos militares e somente não se opuseram à suposta apropriação política por mero temor das conseqüências.Uma frase reflete a revolta de Ravel quanto o que considera patrulhamento dos dois lados:  

“Eu sofri exílio no meu próprio país e nunca fui remunerado pelo governo”

Ouça alguns sucessos da dupla e faça a sua avaliação.Em outro vídeo, com incorporação desativada, Sílvio Santo confessa que utilizou a dupla como parceiro na sua busca pela conquista do seu canal de TV junto ao governo militar (acesse em  http://youtu.be/J3CNxsKmdx8).

Eu Te Amo Meu Brasil.


Você Também é Responsável


Animais Irracionais

Obrigado ao Homemdo Campo
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