No dia do aniversário de Carlos Drummond de Andrade – o poeta nasceu em 31 de outubro de 1902 - reproduzo um vídeo despretensioso e amador que fiz, há quase dois anos, em homenagem ao poeta de Itabira e a Milton Nascimento.
Cada dia mais me impressiona a força da Internet e dos grandes poetas. Jamais imaginaria que o vídeo teria tantos acessos. Até hoje, mais de 14 mil pessoas conferiram o trabalho que focava belos poemas que se transformaram em músicas.
"Os entes queridos que perdemos não são sepultados na terra, mas em nossos corações. Foi Deus que assim o quis para que eles nos acompanhem para sempre."
A valsa “A Borboleta Gentil” foi gravada, provavelmente, entre 1902 e 1904, pela “Casas Edison do Brasil”, do tcheco Fred Figner, considerado o pioneiro da indústria fonográfica brasileira. Trata-se, portanto, de umas das primeiras gravações de voz feminina no Brasil. Pouco se sabe sobre a intérprete, a Srta. Odete. Ao que parece, o prenome Senhorita, naquela época, era bastante comum, a se notar pelas gravações de outras cantoras do período, a exemplo da Srta. Consuelo que chegou a gravar com outro pioneiro, o cantor Baiano, o lundu “E durma-se com um barulho deste”. O tratamento caracterizava que se tratava de moça solteira e também representava um padrão já utilizado por cantoras francesas que também adotaram o Mademoiselle.
Naqueles tempos de gravações mecânicas a presença feminina na música não era bem vista pela sociedade, salvo as interpretações privadas nos salões das casas. Talvez seja essa a explicação para tão pouca informação sobre as senhoritas pioneiras. Ouça a valsa.
Fonte: Cardoso Filho, Marcos Edson, Vozes sem os seus corpos: o som da canção gravada por cantoras no começo do século XX no Brasil
No início de 1942, o compositor Pedro Caetano, autor de mais de 400 composições no período conhecido como “Era de Ouro do rádio”, participava de uma festa, quando foi abordado por uma fã. A jovem queria ser homenageada com uma melodia. Pedro, apesar de não gostar de fazer música por encomenda, ao saber o nome da fã, resolveu fazer uma exceção. A concessão do compositor tinha um motivo: a jovem se chamava Maria Madalena de Assunção Pereira. O nome parecia musical e não demorou muito para sair o Samba-Choro.
“Maria Madalena de Assunção Pereira, teu beijo tem aroma de botão de laranjeira...”.
A música ”Botões de Laranjeira” logo interessou Ciro Monteiro, que resolveu gravá-la. Não contava, o grande cantor, com um empecilho. A censura da época, imposta pelo famigerado DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Vargas que, ao exemplo da sua sucessora - a censura da ditadura militar dos anos sessenta e setenta - metia o bedelho em tudo, atazanando a vida dos artistas. Dessa vez, o órgão não liberou a letra argumentando tratar-se de nome próprio, portanto, seu uso feria a privacidade das pessoas.
A solução para resolver a bobagem, como sempre, foi o uso de artifícios criativos. Cesar Ladeira, famoso apresentador de programas musicais da época, propôs substituir o “de Assunção” por “dos Anzóis”. Afinal, não seria crível que alguém no mundo real tivesse esse sobrenome. O apresentador brincava com o ridículo da situação argumentando: “se alguém aparecer com esse nome, mande prender porque isso não é nome que se use”. O argumento deu certo.Os censores, em raro momento de lucidez, aceitaram o argumento e liberaram a música que se tornou um grande sucesso.
A história é contada por Jairo Severiano, no livro "Uma história da música popular brasileira – das origens à modernidade", lançado pela editora 34. O próprio Pedro Caetano confirmou o episódio em depoimento gravado. No depoimento, ele confessava que, na maioria das vezes, cantava a música com o nome original. Ouça o samba na voz do autor e, no segundo vídeo, interpretada por Ciro Monteiro, o preferido de Pedro Caetano, gravando pelo menos vinte músicas do compositor.
Saudade, decididamente, é palavra difícil de conceituar. Há quem diga que saudade se sente, não se conceitua. Não é o que pensava o poeta popular Antônio Pereira de Moraes, um modesto agricultor que, apesar da sua pouca instrução formal, definiu, de forma brilhante, seu conceito de saudade:
“Saudade é um parafuso Que na rosca quando cai, Só entra se for torcendo, Porque batendo num vai E enferrujando dentro Nem distorcendo num sai.
Se quiser plantar saudade Escalde bem a semente,
Plante num lugar bem seco Onde o sol seja bem quente Pois se plantar no molhado Quando crescer mata gente"
De forma mais elaborada, Chico Buarque também definiu, com rara felicidade, o que é saudade. Os versos de “Pedaço de mim”, por si, já é um verdadeiro tratado do que é saudade. O parafuso que enferruja e não sai, para Chico, “É arrumar o quarto de um filho que já morreu” ou “uma fisgada em um membro já perdido”.
Brilhante, não? Coisas que só a sensibilidade dos poetas, iletrados ou não, consegue traduzir. Confesso que não consegui escolher qual dos dois poetas melhor definiu a palavra. Fico com ambos.
Ouça pedaço de mim na voz de Zizi Possi. O poema completo de Antônio Pereira de Moraes, o poeta da saudade, pode ser saboreado aqui.
Saiu mais uma edição da Revista Singular. Seu editor, o jornalista Eliezer Rodrigues, feliz da vida, reuniu amigos e colaboradores para a tradicional degustação. Como sempre, a publicação superou as expectativas dos leitores.
Recheadas de matérias interessantes e livre de apelos consumistas, a revista já resiste há dez anos, período em que se tornou bastante respeitada no meio cultural cearense.Nesta edição, novamente tive o prazer de participar, como colaborador, em um artigo sobre um fato curioso ocorrido em um encontro de Noel Rosa com o pintor brasileiro Di Cavalcanti.
A revista também está disponível em meio digital. Para acessá-la entre no blog da Singular (aqui).