"(...) sinto sempre uma hesitação danada quando, nos hotéis, enchendo a ficha de hospedagem, tropeço na 'Profissão'. Pianista? Professor? Jornalista? Crítico de arte? Folclorista? ou mais recentemente: Funcionário Público?"
(Mário de Andrade)
É verdade. A reflexão de Mario de Andrade sobre sua profissão bem caracteriza o perfil do escritor - inquieto intelectual e artista multifacetado. Com efeito, talvez uma boa definição para Mário Raul de Moraes Andrade (893-1945) seria uma frase de um dos seus poemas: “Sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”, apresentado no livro “”Rematesde males” de 1930.
Um dos maiores expoentes do movimento modernista, Mário de Andrade também se notabilizou como um profundo estudioso da música. Há quem diga que essa vertente de interesse pela música tenha exercido profunda influência na formação das suas demais atividades. Estudou piano em conservatório e tornou-se professor de música desse mesmo conservatório. Seus livros sobre o tema, a exemplo de “Ensaio sobre a música brasileira” e “Pequena história da música”, são obras obrigatórias para pesquisadores da MPB.
Tanta dedicação à música, entretanto, não fez do nosso grande intelectual um compositor prolífico - talvez por isso ele não tenha se definido como compositor. Tenho conhecimento de apenas duas músicas por ele composta. A primeira, conhecida pelo título de “Hino do Grupo do Gambá”, é uma brincadeira que ele fazia durante as reuniões com seu grupo modernista na casa de D. Olívia Penteado. A segunda, bem mais conhecida, foi batizada de “Maroca”, também chamada de “Viola Quebrada”, uma bela modinha com argumentos regionais onde fica clara a admiração do poeta pelo estilo simples das canções populares com forte sotaque caipira. Esse apego ao folclore é demonstrado nas várias viagens etnográficas que o escritor fez pelo Brasil.
Viola Quebrada foi escrita em meados da década de 1920, chegou a ter acompanhamento de Villa-Lobos e foi gravada por grandes artistas brasileiros. A respeito dessa música, o interessante é que o nosso eclético modernista confessou, em carta enviada para seu amigo, o escritor Manuel Bandeira que, para compor “Maroca”, se baseara em Cabocla de Caxangá, famosa música da época, de autoria atribuída a Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco. Exagerado na modéstia o poeta admite até um inocente plágio na estética da sua música, se justificando pela sua condição de compositor amador. Na carta ele conta o seu segredo ao amigo:
“Você quer escutar uma confidência só mesmo pra você? Pois isso é o pasticho mais indecentemente plagiado que tem. No que aliás não tenho a culpa porque toda a gente sabe que não sou compositor. A Maroca foi friamente feita assim: peguei no ritmo melódico de Cabocla do Caxangá e mudei as notas por brincadeira me vestindo. Tenho muito costume de sobre um modelo rítmico qualquer inventar sons diferentes pra me dar uma ocupação sonora quando me visto. Assim saiu a Maroca que por acaso saindo bonita registrei e fiz versos pra. Só o refrão não é pastichado da rítmica melódica da obra de Catulo. E a linha que inventei tem dois dos tais torneios melódicos que especifiquei na Bucólica coisa que aliás só verifiquei agora pois nunca tinha ainda matutado nisso. Aliás o refrão não tem nada de propriamente brasileiro com aquele tremido sentimental.”
Ouvindo a música muita gente discorda do excesso na autocrítica do nosso eclético artista. E você? Ouça a bela melodia de Viola Quebrada na voz de Rolandro Boldrin, logo depois, para comparar, confira “Cabocla de Caxangá”. Aproveite para participar das reuniões dos modernistas ouvindo o “Hino do Grupo do Gambá”, gravado por Marcelo Tápia e Grupo Colher de Pau,
no terceiro vídeo.
Viola Quebrada
Cabocla de Caxangá
Hino do Grupo Gambá
Letra de Viola Quebrada Quando da brisa no açoite a flor da noite se acurvou Fui encontra coma a Maróca meu amor Eu senti n'alma um golpe duro Quando ao muro lá no escuro Meu olhar andou buscando a cara dela e não achou Minha viola gemeu Meu coração estremeceu Minha viola quebrou Meu coração me deixou Minha Maróca resolveu prá gosto seu me abandonar Porque o fadista nunca sabe trabalhar Isto é besteira pois da flor Que brilha e cheira a noite inteira Vem de´pois a fruta que dá gosto de saborear Minha viola gemeu Meu coração estremeceu Minha viola quebrou Meu coração me deixou Por causa dela sou um rapaz muito capaz de trabalhar E todos os dias todas as noites capinar Eu sei carpir porque minh'alma está arada e loteada Capinada com as foiçadas desta luz do seu olhar
No início do século XX, o Rio de Janeiro estava infestado de vetores de doenças infecciosas decorrente da falta de higiene da população e condições insalubres das moradias. Em decorrência, era comum, na então capital do país, a incidência de varíola, peste bubônica e febre amarela. Coube ao jovem médico Osvaldo Cruz, à época Diretor da Diretoria Geral de Saúde Pública –DGSP, a difícil tarefa de empreender ações profiláticas de viés médico higienista para reduzir ocorrência de infectados que já causavam um considerável número de mortes.
Com amparo em lei regulamentada especificamente para combate as causas da proliferação das doenças, foram realizadas demolição de cortiços, desratização e dedetização das casas a qualquer hora, isolamento de doentes, fim da ordenha de vacas nas ruas, da criação de porcos em casa e prisões aos desobedientes, sacrifícios de cães vadios, dentre outras ações que não contaram com o apoio de uma população incrédula quanto à eficácia das ações mitigadoras e revoltada com o autoritarismo das normas.
O certo é que as ações do sanitarista obtiveram excelentes resultados, mas lhe custou uma série de críticas e revoltas incentivada pela oposição que se aproveitava da ira da população. Eram comuns charges, galhofas e letras de músicas ridicularizando o médico. A polca “Rato rato” é um desses exemplos de sátira desse momento conturbado. A música, um grande sucesso do carnaval de 1904, composta pelo músico da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro Casimiro da Rocha e letra de Claudino Costa, satirizava a campanha de desratização da cidade do Rio de Janeiro, implantada por Osvaldo Cruz, entre 1903 e 1907, para erradicar a peste bubônica - doença transmitida por meio das pulgas alojadas nos roedores.
Dentre as várias medidas, estava incluída a compra, pelo estado, de ratos mortos. Um Decreto chegou a criar a figura do “ratoeiro”, profissionais encarregados de intermediar a compra dos roedores e que, para atingir a meta estipulada de animais abatidos por dia, aos gritos de “rato, rato, rato”, perambulavam pelas favelas, cortiços e bairros pobres da cidade com uma lata na mão e uma corneta para anunciar sua chegada e recolher os bichos sacrificados pela população. Mesmo com os desvios percebidos – foram relatados casos de pessoas que criavam ratos para vendê-los – o programa foi exitoso, estima-se que 1,6 milhões desses animais foram exterminados e os casos de peste bubônica foram reduzidos consideravelmente.
Ouça a polca choro em três versões. As duas primeiras ainda no tempo da gravação mecânica. Tempo em que os cantores praticamente gritavam para ter sua voz registrada no disco. A primeira é uma versão ainda sem letra de Casimiro da Rocha, gravada em 1907, a segunda versão, já com letra, interpretado por Artur Castro em 1913 e a terceira, uma gravação de 1945, da inesquecível Ademilde Fonseca.
Casemiro de Abreu
Artur Castro
Ademilde Fonseca
LETRA
Rato, rato, rato
Porque motivo tu roeste meu baú?
Rato, rato, rato,
Audacioso e malfazejo gabiru.
Rato, rato, rato,
Eu hei de ver ainda o teu dia final,
A ratoeira te persiga e consiga,
Satisfazer meu ideal.
Quem te inventou?
Foi o diabo, não foi outro, podes crer
Quem te gerou?
Foi uma sogra pouco antes de morrer!
Quem te criou?
Foi a vingança, penso eu,
Rato, rato, rato, rato,
Emissário do judeu.
Quando a ratoeira te pegar,
Monstro covarde, não me venhas,
A gritar, por favor.
Rato velho, descarado, roedor
Rato velho, como tu faz horror!
Vou provar-te que sou mau,
Meu tostão é garantido,
Não te solto nem a pau...
"O bom senso é a coisa mais bem repartida entre os homens, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm..."
Mais uma versão do clássico “My Way”, dessa vez na voz da Shirley Bassey.
Dame Shirley Veronica Bassey nasceu no País de Gales. Dentre seus trabalhos mais conhecidos estão os temas de filmes de James Bond, como: "Goldfinger" de 1964, que lançou sua respeitada carreira internacional ,"Diamonds Are Forever" (1971) e "Moonraker" (1979).
Em 2013, na cerimônia de premiação do Oscar, a cantora foi ovacionada de pé pelo público, ao cantar “Goldfinger”, em uma homenagem aos cinquenta anos da primeira versão da série James Bond.
Confira outras belas interpretações de My Way na aba "Versões My Way" aí na aba à direita.
Muita coisa do que eu fiz, que data de 1930, eu acho hoje
uma porcaria, não faria de novo. São obras que não resistem. Mas, também, seria
preciso julgar com o espírito de então...Considero uma calamidade, uma injúria
alguém publicar as coisas iniciais, aqueles vagidos dos escritores que se tornaram
mais ou menos conhecidos. Saem coisas incríveis...