domingo, 31 de março de 2013

As músicas de Mário de Andrade.

Curiosidades da Música Popular Brasileira.

"(...) sinto sempre uma hesitação danada quando, nos hotéis, enchendo a ficha de hospedagem, tropeço na 'Profissão'. Pianista? Professor? Jornalista? Crítico de arte? Folclorista? ou mais recentemente: Funcionário Público?"
(Mário de Andrade)
É verdade. A reflexão de Mario de Andrade sobre sua profissão bem caracteriza o perfil do escritor - inquieto intelectual e artista multifacetado. Com efeito, talvez uma boa definição para Mário Raul de Moraes Andrade (893-1945) seria uma frase de um dos seus poemas: “Sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”, apresentado no livro “”Remates de males” de 1930.

Um dos maiores expoentes do movimento modernista, Mário de Andrade também se notabilizou como um profundo estudioso da música. Há quem diga que essa vertente de interesse pela música tenha exercido profunda influência na formação das suas demais atividades. Estudou piano em conservatório e tornou-se professor de música desse mesmo conservatório. Seus livros sobre o tema, a exemplo de “Ensaio sobre a música brasileira” e “Pequena história da música”, são obras obrigatórias para pesquisadores da MPB.

Tanta dedicação à música, entretanto, não fez do nosso grande intelectual um compositor prolífico - talvez por isso ele não tenha se definido como compositor. Tenho conhecimento de apenas duas músicas por ele composta. A primeira, conhecida pelo título de “Hino do Grupo do Gambá”, é uma brincadeira que ele fazia durante as reuniões com seu grupo modernista na casa de D. Olívia Penteado. A segunda, bem mais conhecida, foi batizada de “Maroca”, também chamada de “Viola Quebrada”, uma bela modinha com argumentos regionais onde fica clara a admiração do poeta pelo estilo simples das canções populares com forte sotaque caipira. Esse apego ao folclore é demonstrado nas várias viagens etnográficas que o escritor fez pelo Brasil.

Viola Quebrada foi escrita em meados da década de 1920, chegou a ter acompanhamento de Villa-Lobos e foi gravada por grandes artistas brasileiros. A respeito dessa música, o interessante é que o nosso eclético modernista confessou, em carta enviada para seu amigo, o escritor Manuel Bandeira que, para compor “Maroca”, se baseara em Cabocla de Caxangá, famosa música da época, de autoria atribuída a Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco. Exagerado na modéstia o poeta admite até um inocente plágio na estética da sua música, se justificando pela sua condição de compositor amador. Na carta ele conta o seu segredo ao amigo:

“Você quer escutar uma confidência só mesmo pra você? Pois isso é o pasticho mais indecentemente plagiado que tem. No que aliás não tenho a culpa porque toda a gente sabe que não sou compositor. A Maroca foi friamente feita assim: peguei no ritmo melódico de Cabocla do Caxangá e mudei as notas por brincadeira me vestindo. Tenho muito costume de sobre um modelo rítmico qualquer inventar sons diferentes pra me dar uma ocupação sonora quando me visto. Assim saiu a Maroca que por acaso saindo bonita registrei e fiz versos pra. Só o refrão não é pastichado da rítmica melódica da obra de Catulo. E a linha que inventei tem dois dos tais torneios melódicos que especifiquei na Bucólica coisa que aliás só verifiquei agora pois nunca tinha ainda matutado nisso. Aliás o refrão não tem nada de propriamente brasileiro com aquele tremido sentimental.”

Ouvindo a música muita gente discorda do excesso na autocrítica do nosso eclético artista. E você? Ouça a bela melodia de Viola Quebrada na voz de Rolandro Boldrin, logo depois, para comparar, confira “Cabocla de Caxangá”. Aproveite para participar das reuniões dos modernistas ouvindo o “Hino do Grupo do Gambá”, gravado por Marcelo Tápia e Grupo Colher de Pau,
no terceiro vídeo.

Viola Quebrada

Cabocla de Caxangá

Hino do Grupo Gambá


Letra de Viola Quebrada

Quando da brisa no açoite a flor da noite se acurvou
Fui encontra coma a Maróca meu amor
Eu senti n'alma um golpe duro
Quando ao muro lá no escuro
Meu olhar andou buscando a cara dela e não achou

Minha viola gemeu
Meu coração estremeceu
Minha viola quebrou
Meu coração me deixou

Minha Maróca resolveu prá gosto seu me abandonar
Porque o fadista nunca sabe trabalhar
Isto é besteira pois da flor
Que brilha e cheira a noite inteira
Vem de´pois a fruta que dá gosto de saborear

Minha viola gemeu
Meu coração estremeceu
Minha viola quebrou
Meu coração me deixou

Por causa dela sou um rapaz muito capaz de trabalhar
E todos os dias todas as noites capinar
Eu sei carpir porque minh'alma está arada e loteada
Capinada com as foiçadas desta luz do seu olhar Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

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