O lendário Café Nice, com certeza, é o bar mais famoso Brasil, quando o assunto é música popular brasileira. O famoso recanto do Rio de Janeiro reinou, na Avenida Rio branco, 174, entre 1928 e 1956, como ponto de encontro obrigatório de grandes artistas – um número considerável de músicos, cantores e compositores de todas as origens sociais, que lá se dirigiam para, entre um e outro gole, compor e apresentar novas obras. Não apenas isso: o bar também era cenário de práticas que, apesar de desaprováveis, eram comuns na primeira metade do século XX: O recurso da venda de músicas por parte de compositores com dificuldades financeiras e do plágio, afinal, várias canções eram criadas ou apresentadas informalmente e em primeira mão naquele ambiente impregnado de musicalidade, o que favorecia a prática nefasta da apropriação de obras de terceiros.
Com efeito, a máxima de Sinhô “Samba é igual a passarinho: é de quem pegar”, parece ter sido seguida, à risca, no Nice. O jornalista Nestor Holanda, certa vez, declarou: “O Café Nice talvez tenha sido o maior ponto de comércio de sambas do mundo” e continuou: "porque não temos notícia de outro local tão movimentado, tão procurado e onde canções de todos os gêneros tenham sido tão vultuosamente transacionadas". O jornalista, para ilustrar sua avaliação, exemplificou com uma interessante história na qual participou pessoalmente em companhia do compositor Haroldo Lobo:
Nestor, freqüentador assíduo do Nice, falava a Haroldo Lobo sobre um argumento para uma música de Carnaval ofertada despretensiosamente pelo amigo José Vanderley: “Quem tem culpa tem medo”. O tema, segundo Vanderley, tinha um duplo sentido bem carnavalesco. Haroldo, experiente, alertou o amigo Nestor: “a idéia é boa, mas fale baixo, alguém pode ouvir e vai roubá-la. Até parece que você não conhece o Nice!”.
Nestor retrucou dizendo que não havia ninguém no bar, a exceção de um inofensivo e desconhecido velhinho, sentado em uma mesa próxima. Lobo insistiu: “Nestor, até as paredes do Nice tem ouvidos para roubar idéias...”. Convencidos dos riscos, os dois resolveram ir para um lugar mais tranqüilo para concluir a parceria. Estavam em uma sala da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, quando, em pouco tempo, chegou o compositor Zé da Zilda eufórico: “vejam o tema que tenho para o Carnaval” e cantou “Quem tem culpa tem medo...”. Surpreso, Haroldo perguntou: “quem te deu essa idéia?”. “Foi um pobre velhinho que veio agora do Nice. Até dei 20 cruzeiros de gorjeta...” respondeu Zé da Zilda.
Restou a Haroldo Lobo o comentário óbvio para o frustrado parceiro: “eu não te disse?”.
Os três amigos : os tenores plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti também apresentaram sua versão de "My Way". Desta vez, perante um emocionado e já debilitado Frank Sinatra, então com 78 anos.
Sinatra, para mim, é o melhor intérprete da famosa música. A apresentação foi realizada em 1994, no show de encerramento da Copa do Mundo de Futebol dos EUA e vencida pelo Brasil. A apresentação histórica teve como regente outro gigante da música: o maestro indiano Zubin Mehta.
Na década de 40, o compositor Jayme Ovalle (foto), assistia um ensaio de um grupo de samba em Nova York. O compositor, conhecido por seu senso musical, não estava satisfeito com o desempenho do baterista, um porto-riquenho, por sinal, o único não brasileiro do conjunto. Irritado com o que não considerava ritmo de samba, Ovalle resolveu intervir na apresentação: “Não é teco-teco-teco o tempo todo, meu amigo: é teco-teco-teco – telecoteco! Se não tiver telecoteco não é samba”.
Depois da aula improvisada, Ovalle, gesticulando com as mãos, passou a reger o pobre músico, repetindo o som onomatopaico característico do samba: “telecoteco... telecoteco... telecoteco...”
Fernando Sabino, testemunha do ocorrido, contou a história para Ary Barroso, que, segundo o escritor, se inspirou para criar o samba “É luxo só”, composto em 1957, em parceria com Luiz Peixoto. O trecho que se refere ao telecoteco de Ovalle está presente na introdução de algumas gravações, mas foi omitida em versões famosas, como a de João Gilberto e Gal Costa.
A história é contada na obra “Livro Aberto – Páginas soltas”, do próprio Fernando Sabino e replicada no livro “Santo Sujo - A vida de Jaime Ovalle”, uma excelente biografia do compositor belenense, escrita por Humberto Werneck. Entretanto, a saudosa Elizeth Cardoso deu uma versão diferente para a gênese da música. Ela conta que Ary se preparava para um show chamado ”Mister Samba”, dirigido por Carlos Machado, em que a Divina só cantaria músicas de Ary Barroso. O autor de “Aquarela do Brasil”, ao assistir o ensaio geral, não teria gostado da música que encerrava o espetáculo. Pediu um tempo a cantora e propôs “É luxo só”, portanto, a música, segundo Elizeth Cardoso, teria sido feita em sua homenagem.
Ary Barroso era um admirador declarado de Elizeth, a quem chamava de “Artista de Raça”. Fernando Sabino, por sua vez, era um velho amigo de Ary, nas divertidas conversas do Bar Vilariño. As versões de Sabino e Elizeth são bastante plausíveis e não excludentes. É perfeitamente possível que as duas, provavelmente com enfeites, sejam reais.
Ouça, no primeiro vídeo, a música “É luxo só”, com a introdução atribuída ao destempero de Jayme Ovalle. A declaração de Elizeth está no segundo vídeo.
Êta samba cai
Pra lá, cai pra cá, cai prá lá, cai pra cá,
Êta samba cai
Pra lá, cai pra cá, cai prá lá, cai pra cá,
Mexe com as cadeiras, mulatas,
E no requebrado me maltrata, ai, ai
Samba, samba
Sem telecoteco não é samba
Samba, samba
O meu samba não vem sozinho
Traz muito amor
Traz alma e carinho
Olha esta mulata quando dança
É luxo só...
Nota: O paraense Jayme Ovalle é autor de obras primas, como “Azulão” e “Modinha”, músicas que teve como parceiro, seu grande amigo Manuel Bandeira.
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Fonte: Werneck,Humberto; Santo Sujo, A vida de Jaime Ovalle, editora Cosac Naify, 2008.
Quem está feliz da vida é o meu amigo jornalista Eliézer Rodrigues. Ele lançou, no último sábado, dia 26 de março, no Flórida Bar, mais uma edição impressa da sua prestigiada “Revista Singular”. O evento contou com a participação de amigos, jornalistas, intelectuais e formadores de opinião. Nesta edição, a revista inovou mais uma vez: agora também é possível acessar as matérias na versão eletrônica.
Eliézer merece toda a admiração do meio cultural cearense. Sua obstinação em manter um veículo de qualidade, mesmo com toda dificuldade de patrocínio, é digna de louvor. Desta vez, tive a honra de colaborar com o um artigo sobre a história do Carnaval e das velhas marchinhas. Quem quiser conferir a versão digital ou identificar canais de contato, basta acessar o link http://singularevista.blogspot.com.
Em tempo de Carnaval, nunca é demais relembrar Virgínia Lane. A "Vedete do Brasil", título dado pelo presidente Getúlio Vargas, canta "Sassaricando", marcha lançada em 1952 que, até hoje, é um grande sucesso no período momino. A cena é do filme TUDO AZUL de 1952, dirigido por Moacyr Fenelon.
Virgínia completou noventa e um anos no último dia 28 de fevereiro de 2011.
Ary Barroso era o que se podia chamar de artista eclético. Além de compositor era pianista, locutor esportivo, redator de crônicas, humorista, apresentador de programa de rádio e televisão... Até vereador, pelo Rio de Janeiro, o nosso brilhante mineiro de Ubá chegou a ser.
Uma dessas muitas atividades do compositor era a de apresentador de programas de calouros, uma formula que teve como precursor, em 1933, o locutor paulista Celso Guimarães, na Rádio Cruzeiro do Sul. O termo calouro, por sinal, foi sugerido a Guimarães, pelo humorista Capitão Furtado e, segundo o pesquisador André Diniz, teve origem nos trotes que os veteranos do grêmio XI, da Faculdade de Direito de São Paulo aplicavam aos novatos.
Foi de Ary, a idéia de introduzir, no programa, o gongo, um terrível e barulhento anunciador da desclassificação do infeliz concorrente. A fórmula, embora humilhante, foi um sucesso e passou, na década de sessenta, para a televisão onde, pela "criatividade" de outros apresentadores, ganhou uma série de variações – sinos, cornetas, buzinas, sirenes e até duchas de água.
Desnecessário dizer que o programa era marcado por situações hilárias, fruto do próprio temperamento do apresentador e sucessivas mancadas dos aspirantes ao estrelato. Certa vez, o autor de “Na baixa do Sapateiro” travou um interessante e rápido diálogo com um candidato a cantor:
Ary Barroso: Vai cantar o quê, meu filho?
Calouro: Um sambinha de autor desconhecido: “Aquarela do Brasil”.
Ouça “Aquarela do Brasil”, a música de Ary Barroso que se transformou em verdadeiro símbolo do Brasil no mundo, numa interpretação de Caetano Veloso, no início dos anos setenta.