domingo, 27 de março de 2011

O Café Nice e o comércio de músicas.

O lendário Café Nice, com certeza, é o bar mais famoso Brasil, quando o assunto é música popular brasileira. O famoso recanto do Rio de Janeiro reinou, na Avenida Rio branco, 174, entre 1928 e 1956, como ponto de encontro obrigatório de grandes artistas – um número considerável de músicos, cantores e compositores de todas as origens sociais, que lá se dirigiam para, entre um e outro gole, compor e apresentar novas obras. Não apenas isso: o bar também era cenário de práticas que, apesar de desaprováveis, eram comuns na primeira metade do século XX: O recurso da venda de músicas por parte de compositores com dificuldades financeiras e do plágio, afinal, várias canções eram criadas ou apresentadas informalmente e em primeira mão naquele ambiente impregnado de musicalidade, o que favorecia a prática nefasta da apropriação de obras de terceiros.

Com efeito, a máxima de Sinhô “Samba é igual a passarinho: é de quem pegar”, parece ter sido seguida, à risca, no Nice. O jornalista Nestor Holanda, certa vez, declarou: “O Café Nice talvez tenha sido o maior ponto de comércio de sambas do mundo” e continuou: "porque não temos notícia de outro local tão movimentado, tão procurado e onde canções de todos os gêneros tenham sido tão vultuosamente transacionadas". O jornalista, para ilustrar sua avaliação, exemplificou com uma interessante história na qual participou pessoalmente em companhia do compositor Haroldo Lobo:

Nestor, freqüentador assíduo do Nice, falava a Haroldo Lobo sobre um argumento para uma música de Carnaval ofertada despretensiosamente pelo amigo José Vanderley: “Quem tem culpa tem medo”. O tema, segundo Vanderley, tinha um duplo sentido bem carnavalesco. Haroldo, experiente, alertou o amigo Nestor: “a idéia é boa, mas fale baixo, alguém pode ouvir e vai roubá-la. Até parece que você não conhece o Nice!”. 

Nestor retrucou dizendo que não havia ninguém no bar, a exceção de um inofensivo e desconhecido velhinho, sentado em uma mesa próxima. Lobo insistiu: “Nestor, até as paredes do Nice tem ouvidos para roubar idéias...”. Convencidos dos riscos, os dois resolveram ir para um lugar mais tranqüilo para concluir a parceria. Estavam em uma sala da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, quando, em pouco tempo, chegou o compositor Zé da Zilda eufórico: “vejam o tema  que tenho para o Carnaval” e cantou  “Quem tem culpa tem medo...”. Surpreso, Haroldo perguntou: “quem te deu essa idéia?”. “Foi um pobre velhinho que veio agora do Nice. Até dei 20 cruzeiros de gorjeta...” respondeu Zé da Zilda. 

Restou a Haroldo Lobo o comentário óbvio para o frustrado parceiro: “eu não te disse?”.

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