domingo, 13 de março de 2011

As duas versões da história do samba “É luxo só”. Qual a verdadeira?

Curiosidades da MPB.

Na década de 40, o compositor Jayme Ovalle (foto), assistia um ensaio de um grupo de samba em Nova York. O compositor, conhecido por seu senso musical, não estava satisfeito com o desempenho do baterista, um porto-riquenho, por sinal, o único não brasileiro do conjunto. Irritado com o que não considerava ritmo de samba, Ovalle resolveu intervir na apresentação: “Não é teco-teco-teco o tempo todo, meu amigo: é teco-teco-teco – telecoteco! Se não tiver telecoteco não é samba”.    

Depois da aula improvisada, Ovalle, gesticulando com as mãos, passou a reger o pobre músico, repetindo o som onomatopaico característico do samba: “telecoteco... telecoteco... telecoteco...”

 Fernando Sabino, testemunha do ocorrido, contou a história para Ary Barroso, que, segundo o escritor, se inspirou para criar o samba “É luxo só”, composto em 1957, em parceria com Luiz Peixoto. O trecho que se refere ao telecoteco de Ovalle está presente na introdução de algumas gravações, mas foi omitida em versões famosas, como a de João Gilberto e Gal Costa.

A história é contada na obra “Livro Aberto – Páginas soltas”, do próprio Fernando Sabino e replicada no livro “Santo Sujo - A vida de Jaime Ovalle”, uma excelente biografia do compositor belenense, escrita por Humberto Werneck. Entretanto, a saudosa Elizeth Cardoso deu uma versão diferente para a gênese da música. Ela conta que Ary se preparava para um show chamado ”Mister Samba”, dirigido por Carlos Machado, em que a Divina só cantaria músicas de Ary Barroso. O autor de “Aquarela do Brasil”, ao assistir o ensaio geral, não teria gostado da música que encerrava o espetáculo. Pediu um tempo a cantora e propôs “É luxo só”, portanto, a música, segundo Elizeth Cardoso, teria sido feita em sua homenagem.

Ary Barroso era um admirador declarado de Elizeth, a quem chamava de “Artista de Raça”. Fernando Sabino, por sua vez, era um velho amigo de Ary, nas divertidas conversas do Bar Vilariño. As versões de Sabino e Elizeth são bastante plausíveis e não excludentes. É perfeitamente possível que as duas, provavelmente com enfeites, sejam reais. 

Ouça, no primeiro vídeo, a música “É luxo só”, com a introdução atribuída ao destempero de Jayme Ovalle.  A declaração de Elizeth está no segundo vídeo.

Êta samba cai
Pra lá, cai pra cá, cai prá lá, cai pra cá,
Êta samba cai
Pra lá, cai pra cá, cai prá lá, cai pra cá,
Mexe com as cadeiras, mulatas,
E no requebrado me maltrata, ai, ai
Samba, samba
Sem telecoteco não é samba
Samba, samba
O meu samba não vem sozinho
Traz muito amor
Traz alma e carinho
Olha esta mulata quando dança
É luxo só...

Nota: O paraense Jayme Ovalle é autor de obras primas, como “Azulão” e “Modinha”, músicas que  teve como parceiro, seu grande amigo Manuel Bandeira.

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Fonte: Werneck,Humberto; Santo Sujo, A vida de Jaime Ovalle, editora Cosac Naify, 2008.
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