No final da década de 1950, uma parceria improvável na música brasileira resultou em uma memorável obra. Vinícius de Moraes sequer conhecia Adoniran Barbosa, mas um desses felizes acasos da vida iria nos presentear com “Bom dia tristeza”, uma bela música interpretada por grandes nomes da MPB, como Maysa, Chico Buarque, Elis Regina, Altemar Dutra, Aracy de Almeida,Roberto Ribeiro, Jair Rodrigues, Elizeth Cardoso, dentre tantos outros.
Os versos foram escritos pelo poetinha a pedido de Aracy de Almeida, em 1957. Há, contudo, diversas versões para a gênese da poesia. Uns afirmam que teria sido escrita em Paris, outros dizem que foi em um bar, no Rio de Janeiro, o texto teria sido em um guardanapo. Todos afirmam, entretanto, que a letra foi entregue a Aracy, após o poeta ter dito que ela fizesse o que quisesse com o poema. O certo é que Aracy entregou a obra para Adoniran Barbosa, seu velho amigo, que colocou a música. Dessa forma, um poema mais adequado ao estilo de Antônio Maria, amigo comum de Vinícius e de Aracy, terminou, surpreendentemente, nas mão de um sambista da cidade que o poetinha - numa escorregada retórica que o levou a se penitenciar por um bom tempo - chamaria de “túmulo do samba”.
Dando sequencia a série de casos curiosos sobre a música, surgiu a polêmica lançada pelo cantor Noite Ilustrada que afirmou ser ele o autor da melodia e que Adoniran não havia dado os créditos, fato que não conseguiu provar e que foi negado veementemente pelo autor de “Saudosa Maloca”.
Embora a música tenha tido uma grande repercussão, Vinícius pouco falou sobre seu poema, a maioria dos registros da história da extraordinária parceria foi feita por Adoniran. O mais famoso relato foi durante uma divertida entrevista dada a Elis Regina, em 1965, no famoso programa “O Fino da Bossa”, apresentado na TV Record, veja a transcrição de um trecho da conversa do sambista paulista.
"Elis: Como é que você se tornou parceiro de Vinicius de Moraes sem sequer conhecê-lo?
Adoniran: Fácil, é fácil, fácil. A Aracy de Almeida, que é muito amiga dele (ele estava em Paris nessa ocasião, na UNESCO) recebeu uma carta dele e dentro da carta veio assim essa letra, dois versinhos, e dizia embaixo “Aracy, faça o que você quiser com esses versos”.
Elis: Então a Aracy pegou e deu pra você.
Adoniran: Então eu tava pertinho dela, não é? E ela era ligação minha, não é? Ela disse “Ô, Adoniran, bota a música aí”.
Elis: Quer dizer que a letra é de Vinicius de Moraes e a melodia é que é sua.
Adoniran: A letra é de Vinicius e a musiquinha é minha.
Adoniran: Fácil, é fácil, fácil. A Aracy de Almeida, que é muito amiga dele (ele estava em Paris nessa ocasião, na UNESCO) recebeu uma carta dele e dentro da carta veio assim essa letra, dois versinhos, e dizia embaixo “Aracy, faça o que você quiser com esses versos”.
Elis: Então a Aracy pegou e deu pra você.
Adoniran: Então eu tava pertinho dela, não é? E ela era ligação minha, não é? Ela disse “Ô, Adoniran, bota a música aí”.
Elis: Quer dizer que a letra é de Vinicius de Moraes e a melodia é que é sua.
Adoniran: A letra é de Vinicius e a musiquinha é minha.
Elis, por sinal, cantou a música na ocasião, utilizando recursos vocais bem diferente do seu estilo, mas parecido com o da sua desafeta, Maysa."
Em “Boa dia tristeza”, Vinícius, na sua genialidade, transforma o sentimento em uma espécie de ser animado, prosopopeia para transmutar a tristeza em uma amiga confidente a quem não via há um bom tempo. Para a “amiga”, quem sabe amargurado por uma das suas infelicidades momentâneas decorrentes de mais um dos vários rompimentos amorosos ou mesmo a procura de uma maior proximidade com a tristeza - talvez a maior das inspiradoras dos poetas – trava, entre uma e outra dose, um comovente dialogo. Nesse interessante reencontro, o poeta, ao final do verso, confessa suas amarguras, usando figuras de linguagens de rara beleza, recolocando a interlocutora em seu devido lugar – “Chorar de tristeza tristeza de amar”. Adoriran, por sua vez, parece ter entendido o sentimento do poetinha e, com rara felicidade, colocou uma música em ritmo melódico mais do que adequado ao tema - triste, melancólica, bem ao tradicional estilo dos sambas-canções de dor de cotovelo bastante populares à época.
Vá no You Tube, lá tem versões da música para todo gosto. Aqui, ouça a divertida entrevista de Adoniran dada a Elis Regina. Depois, a interpretação de Aracy de Almeida - por sinal a primeira gravação da música, realizada em 1957. Complemente a viagem poética ouvindo as versões de Maysa, em uma apresentação de 1959. Maria Bethânia, Cauby Peixoto também cantaram a música, o último acompanhado pelo inesquecível Dominguinhos, por fim, confira a interpretação do próprio Adoniran. É hora de se deliciar com a qualidade dos versos. Escolha a sua melhor versão.
Letra:
Bom Dia Tristeza
Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nessa mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
Se sente comigo
Aqui nessa mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
Muito bom!
ResponderExcluirMuy bueno!
ResponderExcluirA Elis fez a leitura definitiva,mesmo com fraseado-datado.
ResponderExcluirLindíssima , obra prima.
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