domingo, 28 de agosto de 2011

Como foi criado o choro "Lamentos", de Pixinguinha.


Na década de 1920, o pioneiro grupo de choro “Oito Batutas”, acabara de retornar de uma temporada na França, convidado pelo bailarino Duque. O grupo era formado por grandes nomes da música, dentre eles, Donga e o lendário Pixinguinha, que naquele tempo tinha a flauta como seu principal instrumento. O sucesso na França levou o jornalista Assis Chateaubriand a convidar o grupo para uma homenagem em um hotel do Rio de Janeiro. O evento daria o mote para a criação de um grande choro da MPB.

Pixinguinha teria sido barrado na entrada do hotel. O porteiro informou que lamentava, mas a ordem era que negros deveriam entrar pelos fundos. Pixinguinha, resignado, desculpou o funcionários: ”Lamento, mas sei que o senhor está cumprindo ordens” e atendeu as orientações do também constrangido porteiro.Entraram pela cozinha ouvindo os comentários revoltados de Donga, este bem mais contestador: “que absurdo, que vexame, que vergonha nós passamos” e Pixinguinha: “Eu lamento, mas não vamos comentar mais esse assunto”. Antes de receberem a homenagem, alguém se referiu ao fato e também lamentou o episódio. Pixinguinha, sempre resignado, novamente retrucou: “Eu lamento, todos lamentam, mas vamos evitar comentários”. Donga percebeu a repetição da palavra durante a noite e sugeriu: “Pixinguinha você disse a palavra “lamento” três vezes, por que não escreve um choro com esse nome?”.

Quem contou essa versão da gênese do choro foi outro famoso flautista brasileiro, Altamiro Carrilho, em depoimento registrado no livro “Os sorrisos do Choro”, escrito por Julie Koidin, curiosamente, uma americana também flautista e apaixonada pelo choro.Julie lembrou a Altamiro que a letra do choro tinha sido feita muitos anos depois. Altamiro confirmou, e atribuiu a letra a Hermínio Bello de Carvalho. Na verdade, a memória traiu nosso grande flautista, a letra de "Lamentos" é de Vinicius de Moraes, que escreveu o poema apenas para a primeira parte da melodia, em 1962, e não fez referências alguma ao episódio do hotel. Na verdade, a letra não tem nada a ver com a versão apresentada pelo flautista. Altamiro afirma ter ouvido a história do próprio Pixinguinha, de quem era grande amigo. O certo é que o choro tem uma linha melódica triste, até mesmo melancólica, portanto, se alinha à suposta inspiração contada por Altamiro. 

Comento: O choro “Lamentos” foi alvo de outra polêmica quando lançado em 1928. O crítico musical Cruz Cordeiro, em artigo para a sua revista Phono-Art, considerado a primeira revista especializada em música do Brasil, em novembro de 1928, teria acusado Pixinguinha e Donga de ter americanizado o famoso choro. O crítico, para muitos, um pioneiro na atividade de crítica musical,após comentar três discos gravados pela Orquestra Pixinguinha-Donga, escreveu:

O quarto disco contém dois choros: um de Pixinguinha, “Lamentos”, outro de Donga, “Amigo do povo”, sobre os quais não podemos deixar de notar que em suas músicas não se encontra um caráter perfeitamente típico. A influência das melodias e mesmo do ritmo das músicas norte-americanas é, nesses dois choros, bem evidente. Este fato nos causou sérias surpresas porquanto sabemos que os compositores são dois dos melhores autores da música típica nacional. É por esse motivo que julgamos esse disco o pior dos quatro que a Orquestra Pixinguinha-Donga ofereceu nesta quinzena”.

Dois anos depois, Cordeiro acrescentaria suas considerações ao famoso choro “Carinhoso”:

O disco 12.877 da Parlophon apresenta a Orquestra Pixinguinha-Donga. De um lado o maxixe de Peri, “Não diga não”. Excelente música, muito típica, sentimental, bem ritmada e dançada. No complemento, vamos encontrar um choro de Pixinguinha, “Carinhoso”. Parece que o nosso popular compositor anda muito influenciado pelo ritmo e pela melodia da música de jazz. É o que temos notado desde algum tempo, mais de uma vez. Nesse seu choro, cuja introdução é um verdadeiro fox-trot, apresenta em seu decorrer combinações da música popular yankee. Não nos agradou”. 

As declarações do falecido crítico musical até hoje geram protestos de musicólogos com Tariq de Sousa, Jairo Severiano, dentre outros. Por outro lado, o filho de Cruz Cordeiro publicou um artigo em que tenta justificar o contexto em que foi escrito os polêmicos artigos. O texto A PHONO-ARTE, “LAMENTOS” E “CARINHOSO” DE PIXINGUINHA - Artigo do Filho em defesa do Pai pode ser lido na íntegra em http://www.revistaphonoarte.com/pagina13.htm.

Fontes:

Sítio: http://www.revistaphonoarte.com.

Koindin, Julie, Os Sorrisos do Choro –Uma Jornada Musical através de caminhos Cruzados, Editora Global Choro Music, 1° edição,2011.

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