domingo, 7 de março de 2010

Noel Rosa e Wilson Batista - Duelo de gigantes.

Curiosidades da Música Popular Brasileira.

Já postei neste blog (aqui) as rusgas decorrentes da separação de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, um dos duelos musicais mais famosos da Música Popular Brasileira. O tema foi acompanhado recentemente por milhões de brasileiros, na ótima minissérie “Dalva & Herivelto, Uma Canção de Amor” apresentada em janeiro de 2010, pela rede Globo.

Outro interessante combate musical, e não menos comentado nos meios musicais, envolveu dois gigantes da MPB: Noel Rosa e Wilson Batista. A querela musical dos dois teve início em 1933, com o samba “Lenço no pescoço”, de Wilson Batista e gravado por Sílvio Caldas, a letra dizia o seguinte:

Meu chapéu do lado
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão
E eles tocam
E você canta
E eu não dou





Noel Rosa não gostou, achava que o samba fazia apologia a malandragem e, no mesmo ano, compôs “Rapaz Folgado", gravado algum tempo depois por Aracy de Almeida. A letra valorizava o trabalho e criticava a malandragem, uma explícita crítica ao samba de Wilson Batista.

Deixa de arrastar o teu tamanco
Pois tamanco nunca foi sandália
E tira do pescoço o lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga fora esta navalha que te atrapalha
Com chapéu do lado deste rata
Da polícia quero que escapes
Fazendo um samba-canção
Já te dei papel e lápis
Arranja um amor e um violão
Malandro é palavra derrotista
Que só serve pra tirar
Todo o valor do sambista
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado

Logo em seguida, Wilson Batista retrucou com Mocinho da Vila.

Você que é mocinho da Vila
Fala muito em violão, barracão e outros fricotes mais
Se não quiser perder o nome
Cuide do seu microfone e deixe
Quem é malandro em paz
Injusto é seu comentário
Falar de malandro quem é otário
Mas malandro não se faz
Eu de lenço no pescoço desacato e também tenho o meu cartaz



Embora a versão seja contestada por alguns estudiosos da música, há quem afirme que o clássico “Feitiço da Vila”, uma parceria de Noel Rosa com o pianista Vadico, composta em 1934, foi inspirada na refrega. A música viria a se transformar em um dos maiores clássicos da MPB, confira a letra:

Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila

Ao abraçar o samba

Que faz dançar os galhos,

Do arvoredo e faz a lua,

Nascer mais cedo.

Lá, em Vila Isabel,

Quem é bacharel
Não tem medo de bamba.

São Paulo dá café,

Minas dá leite,
E a Vila Isabel dá samba.
A vila tem um feitiço sem farofa S
em vela e sem vintém

Que nos faz bem

Tendo nome de princesa

Transformou o samba

Num feitiço descente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora:
“Sol, pelo amor de Deus, não vem agora que as morenas vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
Sei por onde passo
Paixao nao me aniquila

Mas, tenho que dizer,
Modéstia à parte,
meus senhores,
Eu sou da Vila!


Feitiço da Vila seria utilizada por Wilson Batista como mote para reabrir o duelo. O compositor, em uma entrevista ao lendário cantor e compositor Almirante, “A mais alta patente do rádio”, lembra que o samba tinha outras estrofes que eram cantadas pelo poeta da vila, nos bares da cidade. Estes versos ficaram esquecidos nas gravações posteriores e diziam:


Quem nasce pra sambar
Chora pra mamar
Em ritmo de samba.
Eu já saí de casa olhando a lua
E até hoje estou na rua.
A zona mais tranqüila
É a nossa Vila
O berço dos folgados;
Não há um cadeado no portão
Porque na Vila não há ladrão.

Foi o suficiente para Batista compor “Conversa Fiada”, uma ironia à exaltação de Noel Rosa:

É conversa fiada dizerem que o samba na Vila tem feitiço
Eu fui ver para crer e não vi nada disso
A Vila é tranqüila, porém eu vos digo: cuidado!
Antes de irem dormir dêem duas voltas no cadeado
Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer e conhecer o berço dos folgados
A lua essa noite demorou tanto
Assassinaram o samba Veio daí o meu pranto

Noel, mais maduro, saiu-se com outro clássico: Palpite Infeliz.

Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem

Que a Vila Não quer abafar ninguém,

Só quer mostrar que faz samba também

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança até o arvoredo

Eu já chamei você pra ver
Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?
A Vila é uma cidade independente

Que tira samba mas não quer tirar patente
Pra que ligar a quem não sabe
Aonde tem o seu nariz?

Quem é você que não sabe o que diz?


Wilson Batista parecia está em desvantagem e apelou ao lançar “Frankstein da Vila", uma deselegante alusão ao defeito físico do jovem poeta de Vila Isabel. No programa de Almirante, Batista se defendeu afirmando que, na época, era incitado por amigos, eles afirmavam saber que Noel Rosa estava compondo uma nova provocação, complementou a justificativa dizendo que Noel era homem e não era nada demais chamar homem de feio. Veja a letra de “Frankstein da Vila".

Boa impressão nunca se tem
Quando se encontra um certo alguém
Que até parece um Frankenstein

Mas como diz o rifão: por uma cara feia perde-se um bom coração

Entre os feios és o primeiro da fila

Todos reconhecem lá na Vila
Essa indireta é contigo
E depois não vá dizer Que eu não sei o que digo
Sou teu amigo.

Mesmo sem receber resposta de Noel, Wilson insistiu com “Terra de Cego”:

Perde a mania de bamba
Todos sabem qual é
O teu diploma no samba.
És o abafa da Vila, eu bem sei,
Mas na terra de cego
Quem tem um olho é rei.

Pra não terminar a discussão

Não deves apelar
Para um barulho na mão.

Em versos podes bem desabafar
Pois não fica bonito

Um bacharel brigar.


Após três anos de batalha musical, Noel ,em um encontro cordial com Wilson Batista, encerrou a polêmica colocando letra na música “Terra de Cego”, composta por seu agora ex-adversário. A nova versão de Terra de Cego foi batizada como “Deixa de ser convencida”, letra supostamente feita para Ceci, uma grande paixão de Noel.

Deixa de ser convencida
Todos sabem qual é

Teu velho modo de vida

És uma perfeita artista, eu sei bem,
Também fui do trapézio,
Até salto mortal

No arame eu já dei.

E no picadeiro desta vida
Serei o domador,
Serás a fera abatida

Conheço muito bem acrobacia
Por isso não faço fé
Em amor, em amor de parceria

(Muita medalha eu ganhei!)


Para satisfação de todos, o que parecia ser uma longa batalha entre brilhantes compositores terminou, surpreendentemente, em clima amistoso... Venceu a música brasileira.

Wilson Batista á época, tinha apenas 20 anos, é perceptível que ainda não era um compositor totalmente amadurecido, ao contrário do rival, Noel Rosa, aos 23 anos, já um consagrado compositor, considerado por muitos, uma espécie de filósofo do samba.

Noel Rosa nasceu no Rio de Janeiro em 1910 e faleceu em 4 de maio de 1937, com apenas 27 anos incompletos e um currículo de centenas de obras primas.

Wilson Batista, um dos gigantes da música brasileira, nasceu na cidade de Campos, no Rio de Janeiro, em 3 de julho de 1913, faleceu em 7 de julho de 1968. É autor de grandes sucessos, como: "Pedreiro Valdemar", "Acertei no milhar", "Emília", dentre outras.



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3 comentários:

  1. Eu queria agradecer por ter colocado os versos finais do Feitiço da Vila, eu só conhecia 4 mas vi que não era só aquilo, Noel Rosa era um preconceituoso-enrustido, assim como todo brasileiro

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  2. Tantos amigos com diversidades notorias, Noel Rosa poderia ser bem mais preconceituoso, mas não. Pra ele isso não era problema, já que ele também era diferente, tinha má formação no rosto... Se informa mais pessoa pra não falar besteira.

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  3. E vc é dos EUA? Pq acredito que seja brasileiro também, francamente, não seja deselegante.

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