quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O HOMEM QUE VIRAVA BICHO.

Por Ricardo Machado (*)
PJ em Fortaleza-CE

Vila de Manituba - é a sede do Distrito de Manituba, um dos 9 distritos que formam o Município de Quixeramobim-Ceará-Brasil. Substantivo nativo que traduz “lugar de muito algodão” (amaniú – algodão; tuba – abundância), antes se chamava Algodões e os originários de “algodoeiros”. Sinto-me um deles, aonde quer que esteja, pois além de amigos, tenho parentes - boa parte boa da minha infância e juventude que contribuiu para me formar a têmpera. Lugar da predileção de meu pai, Alfredo Machado, onde tinha fazenda com o mesmo nome.

Tem os Amaral, Genuíno, Nel, Ribeiro, Cordeiro, Ferreira, Castro, Inácio Euclides, Patrício, Pedro, Gualdino, Ramalho, Sindeaux. Uma parte de ascendência predominantemente portuguesa, muito brancos de cútis avermelhadas. Outros miscigenados e, estes últimos, de parcial ancestralidade francesa, aos quais deveriam chamar o nome pronunciando “sandô”, mas dizem “sindô”. Seu Zé Sindeaux, o patriarca, foi-se com mais de 100 anos vividos.

De Manituba recolhi em rodas-cadeiradas-de-prosas-noturnas-de-lua-cheia as estórias tenebrosas de um tal Antõe Chico, o lobisomem, morador pras bandas do Jardim ou Riacho Verde, no rumo da Pedra Branca, que, segundo narravam, virava bicho, qualquer bicho, bastava querer, desde que fosse noite e a lua estivesse cheia. Dos participantes da roda, deles até já tinham visto e outros brigados com o lobisomem, o Antõe Chico virado... na “gota serena”. Contavam em detalhes a refrega severa – o bicho e o homem, no manejo e na ponta da faca, que só desencantava (virava gente de novo - desvirava) se atingido com a arma empunhada pela mão esquerda.

Um dos muitos contos dizia de um ferimento à faca sofrido pelo homem-bicho-homem. No dia seguinte, o adversário da noite anterior foi à casa do Chico-homem e constatou: tava lá a ferida em seu ombro, no “meeermo” local da que fora provocada no Chico-bicho. De tudo, quase todos acreditavam, gente grande, inclusive eu, gente miúda. Como não acreditar? Tudo tão bem encenado, muito bem detalhado, por pessoas mais velhas a quem respeitava e acreditava! Não havia porque não acreditar. O menino que era, em estado de semi-hipnose, ia dormir sobremodo assombrado, antecipando o alvorecer sob pesadelo e sudorese, em plena madrugada do frio do Sertão.

Antõe se transformava com mais freqüência em guaxinim, um felino muito ágil de pêlo mais pra escuro e dentes afiados, um gato grande, diziam. O guaxinim também é conhecido como iguanara, jaguacinim, mão-pelada. Mais tarde o conheci, no alpendre da casa do Otávio Gato (Jardim), desejo sempre acalentado. Fui tomando chegada com precaução. Um misto de encantamento e decepção: vi um velhinho baixo, gordinho, barba e cabelos brancos, pele alva, olhos claros (acho que azuis) e vista já curta. Semblante bem mais próximo de Papai Noel. Aparentemente inofensivo, gostava das estórias que corriam mundo em seu redor, cunhadas pelo imaginário popular. E fazia por onde tivessem curso, assumindo ares de verdade. Dentre outras, rosnou olhando pra mim. Ri.

O Decreto-Lei nº 1.156, de 04.12.1933, elevou Algodões à condição de Distrito de Quixeramobim. Cinco anos depois, aos 20.12.1938, a Lei nº 448 mudou-lhe o nome para Manituba.

Foi lá que o Sertão entrou em mim para nunca mais sair.

Comento: O autor do texto, meu amigo Ricardo Machado, é Promotor de Justiça e um apaixonado pelas coisas do sertão, especialmente sua querida Quixeramobim, localizada no Sertão Central do Ceará.

Há tempos, postei uma matéria apresentada na TV O Povo (
aqui), onde Machado apresenta a varanda do seu apartamento, na capital cearense, totalmente decorada com artefatos e temas ligados a cultura e costumes sertanejos.

Logo depois, curioso, fui conhecer o recanto e, entre selas, candeeiros, estátuas de Santo Antônio, fotos coloridas artificialmente, dentre outros apetrechos típicos, fiquei maravilhado com o aconchego do ambiente, por ele batizado de GRÊMIO LÍTERO-RECREATIVO “FORTALEZA-PEDRA BRANCA VIA QUIXERAMOBIM”.

Logo ao entrar no local o visitante se sente transportado para o sertão, e quem não gosta? Neste ambiente de descontração, passamos algumas horas, como se diz no interior: “trocando um dedinho de prosa”, desfrutando, paradoxalmente, de uma agradável brisa que vinha da praia do Futuro.

As fotos abaixo dão uma visão do acolhedor refúgio sertanejo de Ricardo.







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