Elomar Figueira Mello, O Príncipe da Caatinga, é um daqueles artistas que marcam pela profundidade da obra. O estilo é único, cheio de expressões regionalistas ou “dialeto sertanez”, como prefere se referir. O cantor é reservado, prefere a tranqüilidade do sertão, não economiza crítica à modernidade e invasão do estrangeirismo na nossa língua. Anda afastado da mídia, mas, mesmo assim, ainda é cultuado por diversos segmentos da sociedade brasileira. A respeito do seu público, ele declarou em entrevista ao Jornal Zero Hora:
“Meu público vai de um catedrático de História, de Antropologia, de Letras, da USP, da Federal da Bahia, da Federal do Rio de Janeiro, a um simples mecânico da linha Rio-Bahia, com as unhas atoladas de graxa, a um simples vaqueiro do campo, um pequeno barqueiro da feira de Vitória da Conquista. Meu público, ou é o peãozinho lascado de baixo, que é atraído pela temática e pela linguagem dialetal, ou é um intelectual. Fica nessa faixa, cortando o elemento do miolo. O meio do corpo, aquele público mediano, não é público meu. Esse meião é o público do produto dos meios de comunicação. Não precisa citar nome, você já sabe quem são eles. Esses, que têm nome no Brasil inteiro. O meio campo intelectual não gosta de Elomar. Em outras palavras, não é eleito, porque o meu público é formado por gente eleita.”
Elomar, além de músico respeitado, é arquiteto, formado pela Universidade Federal da Bahia. O compositor se declara um apaixonado pela vida do campo, possui duas pequenas fazendas no semi-árido do sudoeste da Bahia, onde cria carneiros, cabras e algum gado. Lá, na caatinga, o violeiro tem passado grande parte da sua vida “em lidas de currais e campo: ferra de animais, vacinação, abalizando cercas, montando cancelas e outros tantos afazeres”.
Incansável, o músico escreveu um romance: Sertanílias, “a narrativa de um anti-herói, Sertano, um vaqueiro culto que lê Virgílio, Flaubert e Herculano sem recorrer a dicionários e que sabe das coisas, um bocado delas que habita mundos de físicas e matemáticas conhecidas e não conhecidas.”
Sobre Elomar, muita coisa já foi escrita, inclusive algumas teses de mestrado. Vinicius de Moraes, por exemplo, escreveu na contracapa do LP... das barrancas do Rio Gavião", de 1973, um perfil definitivo:
"A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro, No dia em que "o sertão virar mar", como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio."
Na década de setenta, Henfil, o famoso cartunista, se inspirou em uma história de Elomar para criar um de seus personagens: o bode Orellana. Sobre o assunto o baiano declarou em uma entrevista ao Jornal do Comércio:
“O bode Orellana realmente existiu. Morreu em 1976, uma onça comeu ele. Conheci Henfil numa noite no Rio, quando ele descobriu o bode, a onça. O dia já amanhecendo e ele me disse que eu havia trazido um presente para ele, que tinha um personagem engavetado, Zeferino, mas não tinha encontrado companheiro para ele. Esse bode eu comprei em São Paulo, a um italiano. Ele tinha necessidade de comer capim, palha seca, mas como não havia, comia papel. Uma vez comeu uma nota de 500 não sei o quê do italiano. O bode comia livro. Então Henfil falou que se o bode comia livro então era um bode intelectual, e criou o personagem.”
Aos setenta e dois anos, completados em 21 de dezembro de 2009, Elomar informa, para nossa alegria, que a lida de fazendeiro não alterou suas atividades de músico: continua fazendo shows – ou concertos como prefere chamar, e compondo na maior parte do tempo. Com certeza, música da boa, feita por um arquiteto, um arquiteto que dá forma a cultura nordestina.
Confira no vídeo o estilo inconfundível e respeitado do baiano de Vitória da Conquista.
Elomar praticamente mora aki em Lagoa Real-BA minha cidade ....
ResponderExcluirElomar, a música dele é divina. Fina flor da arte brasileira. É uma grande pena que a maior parte do tesouro da arte brasileira (musical, visual e cênica) seja ainda bastante desconhecida do grande público que vive "alimentando" o cérebro com lavagens e lixos, despejados pela mídia. Arte-educadores do Brasil, desde a pré escola até o Ensino Médio, grande é a nossa responsabilidade!
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