sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Histórias do Bar Vilariño.

O Bar  Vilarinõ, localizado no Rio de Janeiro, foi, na década de cinquenta e sessenta, ponto de encontro e testemunha de histórias inesquecíveis envolvendo grandes nomes da cultura brasileira.

Lá, Tom Jobim e Vinicius de Morais, em 1956, conversaram muito sobre o projeto de montagem da peça Orfeu da Conceição, que viria a se transformar em um marco para a música brasileira.

No local, um impaciente Newton Mendonça, o talentoso e injustamente esquecido parceiro de Tom Jobim, foi dar um ultimato ao companheiro de “Desafinado”: terminar um projeto há muito pendente. Tratava-se da  da música “Samba de uma nota só” que os dois vinham compondo há tempos. Na verdade, Jobim não acreditava muito no que ele chamava de “sambinha” e por isso vinha adiando a conclusão da música (veja mais histórias de Newton Mendonça aqui e aqui).

Quem perpetuou a memória de muitos casos acontecidos no bar, alguns hilários outros surpreendentes, foi o falecido jornalista e compositor Fernando Lobo, pai de Edu Lobo.

Um boêmio incorrigível, Fernando Lobo era assíduo freqüentador do bar e registrou suas lembranças do local no livro “À mesa do Vilariño”, uma comovente viagem às suas reminiscências. No livro, escrito no início da década de noventa, Fernando se inspirou em uma velha foto tirada na mesa do bar para construir, nas palavras de Guilherme Figueiredo, “Um vernissage retrospectivo, uma hora da saudade. E uma afirmação de vida”.

Na foto, dentre outros, aparecem Di Cavalcanti, o pintor cearense Antônio Bandeira, Dolores Duran, Elizeth Cardoso e o grande compositor Evaldo Rui. Faltaram, neste dia, outros frequentadores assíduos como: Lúcio Rangel, Ari Barroso, Antônio Maria, Sérgio Porto e Lígia Clark. Eventualmente a mesa acomodava também Paulo Mendes Campos e Manuel Bandeira que certa vez levou Pablo Neruda.

Numa mesa de peso como aquela, só poderia dar em histórias memoráveis. Disso se valeu Fernando Lobo para escrever um livro daqueles que lamentamos quanto termina. Ele conta que, certa vez, Avila, um dos freqüentadores mais assíduos, resolveu assinar na parede um desenho de sua autoria. Posteriormente o pintor Antônio Bandeira deu a idéia de cada um deixar declarações e traços de sua presença.

Com o tempo, a iniciativa ganhou seguidores. De forma improvisada, o pintor cearense deixou seus desenhos, Panceti desenhou, com o batom de uma amiga, uma marinha, e com o batom de Dolores Duran, belos barcos vermelhos, Di Cavalcanti também deixou sua marca, Paulo Mendes escreveu versos, Vinicius idem, até um sisudo Pablo Neruda cedeu ao costume na sua única visita ao bar.

Na Parede, Ary Barroso escreveu acordes de Aquarela do Brasil. A brincadeira cultural ganhou mais adeptos: Dolores Duran, Lígia Clark, Lúcio Rangel, Manuel Bandeira e muitos outros famosos, deixaram seus registros na parede privilegiada. As obras eram realizadas com o que se tinha à mão, como: batons, ketchup e mostarda. Neste ambiente de improviso, até palitos de dente, muitas vezes, foram usados como pincel.

Para desespero dos frequentadores, o proprietário, parece não ter gostado daquele improviso cultural na sua parede e, sem avisar a ninguém, numa véspera de Natal, mandou pintar toda aquela “sujeira”, dando fim ao afresco improvisado que hoje seria um patrimônio de valor inestimável para a cultura brasileira.

O ato desastrado do proprietário do bar parecia ser um prenúncio do fim do animado grupo. Fernando Lobo, que teve uma vida longa, relatou com certa melancolia, mas sem ceder à pieguice, o destino de cada um do grupo. Alguns, a exemplo de Antonio Maria, Antônio Bandeira e Dolores Duran, morreram cedo, outros se afastaram devido às atividades profissionais e as mudanças dos costumes do centro do Rio.

Alguns anos depois do atentado contra o painel dos famosos, o novo proprietário, Antonio Vasquez Alvares, um antigo garçom do estabelecimento, tentou recuperar o afresco escondido nas diversas pinturas, mas foi em vão. Estava perdida para sempre uma preciosidade da cultura. Restaram, entretanto, algumas fotos como a exposta  no  fim deste post. Parte do painel pode ser visto atrás de Vinicius de Moraes. Na mesa, estão: Lúcio Rangel à esquerda do poetinha; à direita, o pequeno Pedro, filho de Vinicius; em pé à direita, o poeta Paulo Mendes Campos; e logo a frente de Mendes Campos, o autor do livro, Fernando Lobo.



fontes:
Câmara, Marcelo; Guimarães, Rogério; e Mello, Jorge. Caminhos Cruzados: a Vida e a Música de Newton Mendonça. Ed. Mauad - 1ª ed. 2001 - 156 pág.
Lobo, Fernando. À mesa do Vilariño, Editora Record, 1991, 204 pág.
Oliveira, Luiz Roberto. O Villarino, Onde tudo começou, http://www.jobim.com.br/habitat/vilarino/vilarino1.html.

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3 comentários:

  1. ôpa! Faltou aí no comentário a Eneida de Moraes. Linda estória e uma pena o que aconteceu ao painel.

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  2. É verdade, caro Carlos. Faltou a jornalista Eneida de Moraes. Na verdade não citei todos os componentes da turma do Vilariño.

    A jornalista, escritora e pesquisadora do carnaval carioca, Eneida Vilas Boas Costa, ou Eneida de Moraes, fazia parte do grupo e é citada, carinhosamente, por Fernando Lobo, várias vezes no seu livro “À mesa do Vilariño”.

    A contestadora Eneida, militante do Partido Comunista Brasileiro, foi presa algumas vezes, devido as suas posições políticas e, por isso, imortalizada por Graciliano Ramos, em “Memórias do Cárcere”.

    Lobo registrou em seu livro uma história deliciosa envolvendo a jornalista, testemunhada por Fernando Pamplona: Eneida teve como um motivo de uma das suas prisões o fato de ter os retratos de Lenin e Stalin pregados na parede. Tempos depois da sua prisão, Pamplona a visitou em sua casa e ao ver o retrato de duas crianças perguntou se eram os filhos dela, Léia e Otávio.

    Eneida abriu um seu conhecido sorriso largo e respondeu: “Não, são Lenin e Stalin quando eram pequenos”.

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  3. Familiares dos antigod donos ainda se comunicam ou frequentam o bar ?

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