domingo, 18 de abril de 2010

As Senhoritas -As primeiras cantoras a gravar um disco no Brasil.

Curiosidades da Música Popular Brasileira.

No post anterior (aqui) falei sobre “Bahiano”, o primeiro cantor a gravar um disco no Brasil. Faltou falar sobre a primeira cantora a gravar. Quem foi?

Não se sabe ao certo. A coletânea “Histórias da Odeon” fala de uma certa Senhorita Consuelo, que, em 1902, gravou em um dueto com Bahiano, a música “Durma-se com um barulho deste” de autoria desconhecida. Fala-se também de outra senhorita, Odette, que também gravou em 1902.

Comento: Não obstante as duas cantoras terem gravado várias músicas neste período pioneiro, pouco se sabe sobre suas biografias, chegando ao cúmulo de sequer sabermos o nome completo das artistas. Vários pesquisadores e amantes da música lançaram suas teses para este descaso histórico.

O fato que é que, no período, a gravação feminina não tinha a dimensão da masculina. As dificuldades do processo mecânico de gravação e os valores socioculturais da época não permitiam uma atividade pública mais destacada das mulheres na música e, talvez, explique tão pouca informação sobre as gravações femininas no início de século.

Naquele período, marcado por uma cultura social machista, o máximo permitido às jovens senhoritas eram manifestações artísticas restrita ao ambiente privado. A exceção era as atrizes de teatro musicados que, eventualmente, gravavam. Sobre o assunto, o mestrando em música pela UFMG, Marcos Edson Cardoso Filho, se vale das palavras de Márcio ferreira de Souza para levantar a discussão acerca da presença feminina na indústria fonográfica brasileira no começo do século XX.

“A quase ausência das mulheres cantoras no nascente mercado fonográfico brasileiro tem raízes em fatores sócio-culturais dos quais podemos citar a cultura prevalecente de exclusão das mulheres do espaço público em uma época onde estas estavam associadas ao espaço privado, ao âmbito familiar e a própria música popular estava relacionada à marginalidade, considerada como atividade de malandros, boêmios, vagabundos etc. No caso específico das mulheres havia uma forte associação com a prostituição, afinal a música popular estava relacionada com a noite. Atividade que se fazia presente nos saraus, nos bailes e nos clubes noturnos. Hora de “mulher direita” estar dormindo (SOUZA, 2006, p. 2).”

Existiam também as limitações tecnológicas, como explica Marcos Edson:

“[...] os cantores de maiores sucessos geralmente eram oriundos de circos e apresentações de rua. As cantoras em sua maioria, eram atrizes de teatro e de revista, ambientes em que a projeção sonora e o entendimento do texto eram uma necessidade latente. Para as gravações, a explicação é muito simples: a agulha gravadora necessitava de muita energia sonora para fixar os sons na cera.

Para a música de concerto, o problema da projeção e da energia sonora era minimizado, sobretudo pela função da voz em tais contextos. Uma função que era estritamente musical, pois a voz tendia a nos remeter a um instrumento musical, fato proporcionado pela impostação do bel canto italiano. Paralelamente temos a canção popular, cujo entendimento do texto torna-se quase uma obrigação estética. Neste quesito, a partir das gravações, percebemos a voz dos cantores masculinos, mais facilmente captadas pelo aparato mecânico. Para as mulheres, tinha-se a necessidade de uma pequena impostação para aumentar a projeção, fato que levava consequentemente a um menor entendimento do texto [...].”

O período de ostracismo feminino iria se abrandar a partir da segunda metade dos anos 20. Em 1926, a voz feminina começou a ser divulgada com mais relevância nos catálogos de gravações mecânicas, com destaque para as cantoras Zaíra de Oliveira, Rosália Pombo, dentre outras. Logo depois, Araci Côrtes (foto a esquerda), uma celebrada cantora e atriz de teatro de revista, viria a se consagrar ao gravar sucessos inesquecíveis com: “Jura”, de Sinhô e “Linda Flor.

Uma curiosidade sobre O samba-canção Linda Flor: considerado um dos maiores clássicos da MPB, a música de Henrique Vogeler teve três versões de letras. A versão gravada por Araci Côrtes foi escrita por Luiz Peixoto e ficou definitiva, mas isso já é assunto para outro post.

Ouça a interpretação da Senhorita Consuelo e Bahiano, este, além da honra de ser considerado o primeiro cantor a gravar no Brasil, provavelmente foi o primeiro a gravar em dueto com uma mulher. O segundo áudio apresenta a senhorita Odette cantando “Corte Na Roça”.



Fontes:
Vozes sem os seus corpos: o som da canção gravada por cantoras no começo do século XX. Filho, Marcos Edson Cardoso. Disponível em Http://www.estudiobelohorizonte.com.br/pdfestudio/Vozes%20sem%20os%20seus%20corpos.htm

SOUZA, Márcio Ferreira. “Ô Abre Alas”: as mulheres em cena no nascente mercado fonográfico brasileiro. Anais do Seminário Fazendo Gênero 7. Florianópolis: UFSC. Disponível em: http://www.fazendogenero7.ufsc.br/simposios.html

Coletânea "História da Odeon
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